Crônicas da Quarentena #4: A Feira

Aline Cardoso
2 min readFeb 8, 2021

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No último sábado acordei me sentindo mal. Havia um vazio insustentável dentro de mim. Meu estômago se contorcia querendo gritar palavras de ódio. Minha cabeça doía a ponto de tirar os pensamentos. Precisei de uns 10 min para perceber que estava doente. Era paciente de uma doença cujo tratamento era único e preciso: comer um pastel de feira com caldo de cana. A verdade é que na noite passada não havia jantado e todos aqueles sintomas inoportunos não passavam de um estômago vazio.

Eram 9h da manhã quando fiz minha descoberta. Às 9h15 iniciei um trabalho de detetive para encontrar uma feira na cidade que abrisse no sábado, e às 10h já estava nela.

Faziam uns 7 meses que não ia à feira devido às recomendações de não aglomeração a pandemia não acabou e, como boa frequentadora, a saudade já estava batendo.

Tem algo de delicioso nas feiras que perpassa as ilusões gustativas trazidas pelos cheiros das frutas frescas e dos queijos curados. Tem uma beleza nas feiras que ultrapassa toda estética pinteresca com suas barraquinhas de madeira, monumentos alimentícios e paletas naturais das cores vibrantes dos alimentos.

Não tem nada melhor do que começar o final de semana numa feira de verdade, que vende pastel com caldo de cana, peixes exóticos e todas as partes do porco.

Existe um senso de pertencimento nas feiras.

Uma sensação de harmonia e coletividade de que a terra é capaz de produzir tudo para sua prórpia existência/manutenção e também para existência/manutenção de todos os outros seres.

Mas se comemos e bebemos não é somente porque a natureza deu. A fantasia de que o fruto vem da árvore e magicamente aparece no mercado já não cabe mais.

Se comemos e bebemos é porque alguém plantou e alguém colheu.

Falo de mãos calejadas pela inchada e pele queimada pelo sol da colheita. A feira mostra essa realidade bruta e exageradamente bela de que a natureza dá, mas também exige, e que talvez erramos ao deixar de valorizar essa realidade para acreditar na magia dos supermercados.

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Aline Cardoso

Estudando o comportamento humano e tentando entender o meu; (ela/dela); Doutoranda em Fisiologia — Neurociência (UFRJ); Brasil