Na estação de trem a vida samba

Aline Cardoso
2 min readNov 25, 2022

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Trabalha o mercado ao som do rádio que toca o samba de raiz brasileira

Tão brasileira quanto a moça que passa com a bíblia embaixo do braço cantando, mais que o rádio, o hino de agradecimento ao deus da igreja dos domingos

Também passa o moço com uniforme do prédio chique, onde abre portas para senhoras de marca e fecha portas para homens sem nome

Chega o trem

Cambaleia no trem o vendedor sem nome que aos berros vende seus produtos sem marca

Em silêncio, a senhora bordadeira de dedos ágeis dá vida a um pano de prato, ela tem sua fé nas mãos e não mais embaixo dos braços

E o trem continua

Em meio aos matos se encontram os barracos mal acabados e sem fé, cujos armários da cozinha só vêem pães de ontem

Barracos tristes em meio aos sorrisos de crianças caneludas que brincam nos matos perto dos trilhos onde corre o trem

Barracos cinzas em meio às cores vibrantes das roupas a secar nos varais compridos e tão cheios que se envergam como a coluna do moço que vende doce na barraca mal acabada da esquina

Doces para crianças de dentes tortos e sorrisos soltos que correm perto dos trilhos com suas vestes coloridas doadas por senhoras de marca e remendadas por senhoras bordadeiras de dedos ágeis

Crianças soltas que se tornarão adultos uniformes que trabalham em prédios com portas grandes e rádios clássicos

Adultos sem nome que se tornarão moços de coluna torta em barracos mal acabados com rostos tristes e cinzas

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Aline Cardoso

Estudando o comportamento humano e tentando entender o meu; (ela/dela); Doutoranda em Fisiologia — Neurociência (UFRJ); Brasil