Na estação de trem a vida samba
Trabalha o mercado ao som do rádio que toca o samba de raiz brasileira
Tão brasileira quanto a moça que passa com a bíblia embaixo do braço cantando, mais que o rádio, o hino de agradecimento ao deus da igreja dos domingos
Também passa o moço com uniforme do prédio chique, onde abre portas para senhoras de marca e fecha portas para homens sem nome
Chega o trem
Cambaleia no trem o vendedor sem nome que aos berros vende seus produtos sem marca
Em silêncio, a senhora bordadeira de dedos ágeis dá vida a um pano de prato, ela tem sua fé nas mãos e não mais embaixo dos braços
E o trem continua
Em meio aos matos se encontram os barracos mal acabados e sem fé, cujos armários da cozinha só vêem pães de ontem
Barracos tristes em meio aos sorrisos de crianças caneludas que brincam nos matos perto dos trilhos onde corre o trem
Barracos cinzas em meio às cores vibrantes das roupas a secar nos varais compridos e tão cheios que se envergam como a coluna do moço que vende doce na barraca mal acabada da esquina
Doces para crianças de dentes tortos e sorrisos soltos que correm perto dos trilhos com suas vestes coloridas doadas por senhoras de marca e remendadas por senhoras bordadeiras de dedos ágeis
Crianças soltas que se tornarão adultos uniformes que trabalham em prédios com portas grandes e rádios clássicos
Adultos sem nome que se tornarão moços de coluna torta em barracos mal acabados com rostos tristes e cinzas